quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Faz um ano: A memória como uma arma. Reflexoes durante o 22 de maio de 2010


segunda-feira 24 de maio de 2010
A um ano da caída em combate de Maurício Morales: A memória como uma arma!

Saudamos com profundo afeto a todxs xs comanheirxs que assistiram à atividade e contribuíram com o que encontraram necessário, nestes complexos momentos.
Também axs que contribuiram com diversas expressoes artísticas, tanto de teatro, dança e murais. Todas e cada uma tendendo a destruir o esquecimento e lembrar combativamente a nosso irmao. Saudamos também a todxs que em diversos lugares do globo têm compreendido a importância de recuperar a memória de Mauri com o fim de nao silenciar a açao direta e com os sinceros desejos de expandir a revolta.

A seguir publicamos parte das reflexoes que foram lidas durante a atividade, com o fim de coletivizar algumas saudaçoes, as visoes, análises, simpatías e sentimentos.

Agradecemos a cada compa que respondeu ao chamado para mostrar desde as suas particularidades a construçao de uma memória combat
iva com respeito a mauri e a todxs xs caídxs na guerra social. A um ano da partida do mauri... Lembramos de você destruindo o esquecimento, combatendo à autoridade!

Centro Social Okupado e Biblioteca Sacco e Vanzetti.


saccoyvanzetti@riseup.net

www.okupasaccoyvanzetti.blogspot.com


Algumas reflexoes que foram lidas e compartilhadas durante a jornada:
_____________________________________________________________________________________ De nós _____________________________________________________________________________________

22 de maio de 2009
*Cómo um companheiro se torna um companheiro?
*A pesada ausência, estoura todos os días
*A memória como um arma…
(Centro Social Okupado e Biblioteca Sacco e Vanzetti)
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Outros espaços

*Reflexoes a um ano da caída em combate do Punk Mauri (Casa okupada. La crota. Bike Punk)
*Umas palavras desde CSA Jonny Cariqueo(Centro Social Autônomo e Biblioteca Libertaria Jonny Cariqueo) _____________________________________________________________________________________

De Companheirxs

*Umas palavras de Luisa Toledo.(Luisa Toledo)
*Umas palavras de Anamaria Antonioletti (Anamaria Antonioletti.)

*Anônimas palavras(Anônimo)
*PÓLVORA NEGRA.( Sergio Vasquez, Alberto Olivares. Colectivo 22 de Enero. Desde la ex -Penitenciaria)
*A um ano da morte, tao só minha opiniao (Axel Osorio desde o Carcere de Alta Segurança) _____________________________________________________________________________________

Saudaçoes internacionalistas

*Mauri, irmao, companheiro guerreiro, te abraço com cada respiro meu.(Marco Camenisch. Suiça)
*Um abraço iconoclasta para Mauri (Culmine.Italia)
*A nosso companheiro, o Mauri....(Anônimos desde o outro lado do oceano)
*Umas palavras de Sérgio (Sergio Stefani.Italia)
*Umas palavras a um ano da partida de Mauri ( Gabriel Pombo da Silva. Alemanha) _____________________________________________________________________________________

DE NÓS


22 de maio de 2009

…viu as notícias?, soube? Morreu um homem por uma bomba, nao sei mais nada, se souber algo te falo.


Tempo

Acho que ia em bicicleta, algo assim saiu na televisao, parece que é um companheiro, ele estava levando a bomba.
Saíram recentemente umas imagens horríveis. Uma bicicleta preta destruída, umas mangas de jaqueta sobre uma árvore. Dizem que morreu instantâneamente. Que cagada. Era um companheiro, nao restam dúvidas. Nao deram ainda seu nome. O descrevem como um jovem meio punk. Será que conhecemos ele?, o que fazemos?... tem alguma coisa que a gente possa fazer?

Tempo

Esta aparecendo a notícia na televisao o tempo todo, parece que ia para uma escola de milicos, esse lugar onde aprender a prender a libedade, a colocar cadeados e grades sobre a vida toda…. Isto vai se transformar numa caça às bruxas, a coisa vai ficar feia.

Tempo

Vamos colocar crédito nos telefones, se souber de alguma coisa te ligo. Temos o peito apertado, me avisaram que conhecíamos o compa, vinha pra cá, nos ajudava com os livros, era um leitor assíduo. Certeza que você conhecía ele também.

Tempo

Faz tempo já que a mídia cospe contra as ocupaçoes, faz um bom tempo que nos relacionam com as açoes diretas. Nao suportam que existam espaços que desafiem as lógicas do poder. Espaços e pessoas cujo desejo é revolucionar a vida inteira. Certeza que eles vem pra cá. Aconteça o que acontecer, lembra sempre que te amamos muito. Nao se sinta culpado por nao estar hoje aqui, sao coisas que acontecem. Seja onde for que a gente esteja vamos continuar em pé, sem abaixar a cabeça diante a nenhum governo. Hoje o importante é buscar como ajudar, é claro que vao dizer um monte de mentiras sobre o companheiro. Mas é a solidariedade quem hoje deve ser a protagonista.

Tempo

Saiu a foto do compa nas notícias, nao pude vê-la porque nesse momento os gatos estavam brigando, estao muito alterados, também sentem toda a tensao. Por isso colocamos eles para o lado de fora de casa, para protegê-los.

Tempo

Começaram a invadir as casas. Passaram para nos avisar que entraram em cueto, em poucos minutos já estavam na idea, também lá fora estao estacionados os policiais, fecharam a rua... estao chegando. La fora estao se aglomerando xs companheirxs, irmaos e irmas que querem apoiar. O sol está rachando...tem muita gente lá fora, a repressao vêm avançando, enfurecida porque bateram nos seus amigos da mídia. Passou o tanque dos policiais molhando e perseguindo axs compas. Se você estivesse aqui estarias furioso e ferido como nós. Certamente já terias pulado encima do pescoço dos mercenários.

Tempo

É de noite e faz muito frio, os policiais foram embora e ninguém entende bem o porquê. O jornal se enche de asneiras, entrevistam a uns supostos companheirxs dele, estava na cara que a cêna foi armada e com muita tosqueira. Um show apenas pretende ridicularizar ao companheiro morto, uma simulaçao de opositores à autoridade, que apenas repetem o roteiro redigido por algum imbecíl da vez. Lá fora tem muita gente, podemos vê-lxs do teto, nosso posto de vigilância permanente nesse dia de merda. Lá fora tem muita dor, dor e raiva, nós nao podemos chorar. Para bem ou para mal. É tanta adrenalina e o estado de alerta tao profundo que nem conseguimos sentir cansaço. Fizeram fogo para cozinhar. Que bom que estes compas stao lá fora, assim nao sentimos tanta solidao. De casa nao vamos embora, isso é certeza.



Tempo


Voltaram os policiais e atacaram xs companheirxs que estavam lá fora. Nós tivemos água e gás dentro de casa, mas xs compas foram perseguidxs pelo bairro todo. Desde o teto vamos sentindo os gritos de luta, ouvimos o barulho das coisas se quebrando por todos os cantos. Os policiais tentam entrar pelas casas vizinhas. Nao xs deixam. O delirante vizinho está bem calado. Como assim, qual delirante?, esse que é traficante e que tem acordo com os policiais….esse trancou-se em sua casa, melhor assim. As barricadas vao se acendendo pelo bairro desde Matucana a San pablo, praça Brasil e a Avenida Alameda. Espero que o compa morto nao tenha sofrido. Disseram-me que tinha um amplo sorriso, como a tua, imagino. Apareceram alguns de seus escritos, desses completos e até o fim. Que perda tao grande. Que noite tao longa, carregada de maus augúrios.


Tempo


Sao pouco mais das 5 da manha, temos o corpo rígido e pesado como uma pedra. Os policiais acabaram de ir embora. As barricadas continuam ardendo. Alguns companheirxs se aproximam, há cerca de 20 irmaxs detidxs. Algumas/uns muito machucadxs, vamos para a audiência para acompanhá-lxs neste momento, onde vao tentar difamá-lxs de todas as formas.

O bairro ficou todo pixado, em memória do companheiro que já nao está. As palavras nao sao suficientes para descrever a dor que se sente. Todas sao insuficientes. Optou por um caminho e continuou até as conseqüências mais terríveis. Opor-se a toda forma de poder tem um preço muito alto, estamos certxs de que ele sabia isso plenamente, é certeza que ele nunca quiz estes momentos para todxs. Amanha é o funeral. Aínda nao podemos chorar, temos o coraçao endurecido, escondido atrás de uma couraça. Se vc chegar a tempo procura o endereço pela internet. Tenha cuidado porque a policia anda rastejando, injetados de ódio. A gente se vê lá…

Tempo


Você se perdeu e nao conseguiu chegar? sim, era um pouco enrolado. Mas se você nao viu as fotos saiba que chegou muita gente, entre todxs nos cuidamos e acompanhamos ao compa até o cemitério. O caixao dizía "nem deus, nem mestre", essa frase que você tanto gostava.


Foi horrível ver o caixao nessa fossa de cimento, pensei que nao suportaria isso... tinhamos certeza de que o compa teria preferido se fundir com um bosque milenário… até na morte o poder enfia seu rabo e nos obriga a rituais que sao alheios para nós. Até pela morte temos que pagar e nos amarrar numa engrenagem econômica.

Tempo


Escrevo curtamente para você. Ví o jornal. Detiveram um companheiro de la idea, Cristian cancino, dizem que tinha pólvora embaixo do colchao, alguém acredita nisso? Querem enquadrá-lo como responsável por vários ataques passados. A caça vai se desdobrando com suas asas mortíferas, perigo para x que fique presx nelas.


Tempo


Vao correndo muitas saudaçoes e reflexoes sobre o companheiro. Correm também muitas ofensas, como é fácil cuspir estando protegidx atrás da tela de um computador, condená-lo e tirar sarro da açao que lhe custou a vida, enquanto olham complacentemente a violência cotidiana, o abuso e a exloraçao, derivados permanentes de toda autoridade.
Tirando sarro da entrega de um companheiro separam-se imediatamente os caminhos. Levantamos nossa voz desde o primeiro dia para defender sua memória, faremos isso sempre, diante de quem quer que seja e custe o que custar.

Tempo


Muitas açoes se realizam para manifestar amor e raiva. Diferentes ferramentes se utilizam. As fronteiras se ultrapassam como montanhas de papel, rega-se o solo de diferentes terras com memória insurreta, que nao aceita o silêncio como forma de homenagem. Talvez porque o silêncio parece demais com a amnesia. E se foi derramado sangue que buscava liberdade, o que menos pode existir é o esquecimento, sería imperdoável…


Tempo


Hoje vi um cartaz em alusao ao companheiro, foi uma emoçao gigante. Em momentos onde somente seu apelido parece contagiar o cárcere. Chamavam-no de Punk... um punk irmao de Di Giovanni.


Tempo

A mídia nos tem sob sua lupa, somos xs responsáveis de qualquer invento, acusados e condenados em uma só ediçao, vulgar comédia que se repete incansávelmente.
Cristian continua preso. Descarregam sobre ele todo o ressentimento pelo fato de continuarem existindo aqueles que nao se posicionam na mesma linha do poderoso da vez, os que nao querem acordos nem conceçoes de vergonha.

Tempo

Esta carta vai carregada de frustraçao. Buscam o Diego para detê-lo. Sua mae ligou para a polícia dando o alerta do encontro de uma mochila com material suspeito. Dá para acreditar numa coisa dessas? Sua própia mae o entrega aos mercenários. Sua foto começa a circular pelos jornais, oferecem uma recompensa, parece filme bang-bang de cowboy. Agora é colocado como o culpado de todo o mal do universo. Roteiro patético, desgastado de tanto uso.


Vem logo, estamos com saudade de você.

Tempo


Escrevo-te hoje com raiva, com impotência. Óntem assistimos a uma detençao televisada. Um grupo de estudantes da academia saiu para a rua em memória por todxs xs caídxs, na rua se enfiaram numa briga com um membro da polícia de investigaçoes e logo vem o desfile de imagens pela televisao, o arroubo policial, numa dimensao obsena.. Quase todo o pessoal da brigada de homicídios disparando contra um grupo de estudantes…. loucos assalariados, duros de irracionalidade, bêbados de poder. As fotografías resumem o monopólio da violência. E

les disparam e é paz social, os jovens respondem e é violência. Quando a terminologia é manipulada pelo inimigo o debate fica surdo e sem sentido.


Dois estudantes foram detidxs, envolvidxs pelos guardas numa suposta agressao com arma de fogo. Testemunhas sem rosto nem identidade, assinalam a um dos estudantes como o responsável de inexistentes disparos contra os detetives.

Foram detidos por pensar e vivir sob valores anárquicos, isso é tudo, mais nada. A mídia os devora e engole, chamam-se Pablo e Matias e seu caso pinta negro como a noite.


Tempo


Muitos companheiros em prisao estao se dando o tempo para escrever sobre o fato de morrer enfrentando a autoridade. De diversas tendências e visoes, mais ou menos fraternos. Acreditamos que tudo é uma contribuiçao quando nao se propoe lançar à fogueira da condena ao que hoje nao pode nos explicar com suas palavras o que ocorreu: infortúnio ou erro.

Qualquer uma das duas possibilidades nos envolvem num nevoeiro de dor, raiva e angústia.
Quanta perícia tivemos para superar os obstáculos, creio que ainda para encontrar essa resposta nao está dita a última palavra. A morte é um desafio de longo fôlego, sobrevivemos, mas aínda nao sabemos a que custas, nem quanto de nós morreu também.

Tempo.


Logo serao as eleiçoes, o movimento no bairro tem sido opressivo. Pela mídia pedem nosso massacre, agora só falta jogar de tiro ao alvo. Continuamos com nossas atividades, mas conscientes de que um dia vao chegar.


Tempo.


Imagino que você ficou sabendo. Óntem nos invadiram. Chegaram perto das 6 horas amanha. Os recebemos conscientes do complicado cenário. Nos bateram e se propuseram nos humilhar. Conseguiram nos bater, mas humilhar jamais.


Quebraram tudo, estiveram perto de destruir a biblioteca, como nos velohs tempos fizeram uma torre de livros, certamente os queriam queimar, duvido que quisessem ler.
Estivemos o dia inteiro presos no seu quartel. Tudo escrito referente ao companheiro sem deus nem mestres foi confiscado, toda carta, cartaz ou música.

Querem fazer com que ele suma do mapa.
Após 12 horas de detençao e tendo nos retirado DNA à força, nos levam até o centro de justiça,alí, cara a cara com os policiais e recebendo suas pancadas pensamos no companheiro que morreu, diante dessas humilhaçoes é que se manifestava. Aqui estao na nossa frente, os carcereiros. Um juiz decidiu nos soltar.

Como processo de rotina resolveu de forma displicente sobre nossa integridade, sobre nosso destino.
Estamos sendo acusados de agressa e dano, nos investigam por conduta terrorista. Título ad hoc relativo comente às práticas do Estado. Estamos bem e convicçoes mas raivosos pela forma como correm os dias, na mesma leva foram vasculhadas cinco casas mais, três okupaçoes e duas casas particulares. A polícia e a mídia pousando juntas de maos dadas com o circo eleitoral.

Tempo.


Axel pergunta por você, está com saudades. Lembra-se daquela vez que você deu para ele de presente aquela jaqueta horrível e ele te devolveu ela, podia ter frio mas estar sem estilo jamais. Lembro daquela vez que você achou no lixo uma colagem de fotos punk que um homem decepcionado tina jogado no lixo. Qué quadro horroroso! E demos ele de presente numa rifa o 16 de maio passado. Disse a todos que eu o fizera quando tinha 11 anos, apenas para ter algumas gargalhadas, porque se nao dessemos ele de presente ia continuar na cozinha.

Tempo.


Saíram para a rua Pablo e Júbilo, os compas da Academia, que coisa boa, se você quiser enviar alguma saudaçao escreva que passo a carta para eles, que estejam na rua nos deixa respirar melhor.


Tempo.


Saiu Cristian. Veio por água abaixo a acusaçao por infraçao à lei antiterrorista, mesmo assim ficou enquadrado por porte de explosivos, 3 anos se apresentando diante das autoridades para assinar, um show mais longo que o de De La Prida.


Tempo.


Você se lembra daquela manha em que estavamos competindo por mostrar quem sabia de cór mais poemas de Benedetti?, para mim foi ontem... o faz um milhao de anos, o tempo deixou de ser lineal.


“Minha técnica é te falar e te ouvir, construir palavras numa ponte indestrutível”… faz muito que nao posso ouvir tua voz. Este processo tem sido muito duro, as aguas estao agitadas, desde seu ponto mais profundo até a beira quente...


Estou com saudades de nossas risadas, quanto faz já?... um ano...Mauri, quando você vem? Você está preguiçoso com a escrita, sinto como se estivesse num monólogo, carta após carta e você nao diz nada…
Conta-me de ti, como vao as coisas e que loucuras você tem feito para distrair a alma. V

ocê continua com o naturismo? Olha que a polícia levou o moinho onde a gente moía os oito tipos de graos para fazer as bolinhas de sampa. Esse alimento miraculoso que você nos dizia que garantia todas as vitaminas de que precisamos...

Você tem feito novas tatuagens? Qual foi a última?... a do peito, né?... o nem deus nem mestres… punk Mauri… que estúpidos, começamos a entender tudo de uma só vez, mil fotos que ontem pareciam rasgadas hoje se mostram inteiras.

Onde está tua bike? Deve estar no depósito onde acumulam tudo que tem roubado das casas vasculhadas. Mauri, é você, teu corpo detido para sempre nesse 22 de maio.


Vamos ranzinza, me diz que estou com febre e só delirando.

Um ano... um ano de flores negras, um ano de esperar um trem que nao chega nunca, detidxs na estaçao da ausência. Agora compreendo porque estao tao infeccionadas as feridas, porque para sarar primeiro tem que haver aceitaçao, resignar-se a solidao num lugar do coraçao, esse que leva teu nome e sai sempre pra te defender, que recebe todos os chutes que vao em tua direçao .

“Estamos aqui consternados, raivosos, certos de que com o tempo o aborrecimento, a consternaçao irá passando, a raiva vai ficar, ficará mais limpa…"


Com os olhos fechados e em silêncio aparece tua lembrança para nos dar um abraço. Como almejamos agora tudo o que ficou pra trás, como queremos escutar tua risada, alguma de tuas piadas, inclusive aquelas sujas e censuráveis, essas com as que ameaçavas desvirtuar qualquer atividade, conta para nós tua piada suja e apimentada, essa que causava tanta expectativa e que tao só era um relato de uma pimenta se esfregando na lama. Mauri já passou um ano….nao vá muito longe, fica aqui entre nós, para se transformar em sementes que semeiem tempestade.

“Onde você estiver, se é que esté, aproveita finalmente para respirar tranquilo, enche seus pulmoes de céu…."
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Como um companheiro se torna um companheiro?


Aquela noite do 22 de maio, que você carregou um extintor cheio de pólvora preta para atacar a esses seres que deixaram de ser humanos para transformar-se em policiais. Porque o teu objetivo era atacar a Escola de Policiais, a esses desprezíveis seres que fazem da tortura uma profissao.


Para aqueles que te conhecemos, você foi muito mais do que esta açao em concreto. Teu desejo de destruir este sistema de exploraçao te levou a usar uma variedade de formas de luta contra o poder.

Sem temor ao ridículo você se fantasiava de palhaço e participavas em atividades com crianças, porque você acreditava na educaçao libertária, uma ferramenta de combate contra a educaçao de mercado; de fato você estudava pedagogia e você nao se complicou na contradiçao de estar dentro de uma universidade, esses "criadouros de mutantes”. Acreditas-te firmemente em que era um cenário a mais de luta, um lugar mais onde poder levar "a idéia".

Claro que você participou das barricadas que sairam dalí e de outros lugares onde costumavam se realizar, o ataque à autoridade, a ocupaçao dos espaços, ocupar as ruas, relembrar axs companheirxs caídxs. Embora você nunca chegou a conhecer a Claudia López, acreditavas que era necessário relembrar sua luta, porque é também a nossa.

Você era responsável por tua saúde, nao a deixavas em maos de outros, acreditavas em outro tipo de medicina, nao essa dos hospitais onde experimentavam a nossas custas. Você aspirava à Autonomia, a nao depender de ninguém, você era o responsável por tua vida e como tal pela luta que desenvolvias. Neste caminho você nao quiz jamais depender de um patrao, você odiava o trabalho, assim como odiava os patroes. O trabalho nao dignifica, o trabalho é exploraçao. Vendias pao, você o fazia com tuas propias maos, era uma forma de levantar uma grana e nao ter que dar com a cara de nenhu explorador…. mas ninguém melhor que você para deixar clara tua osiçao a respeito do trabalho: “Eu nao trabalho, faço pao, NAO TRABALHO!¨


Nesta luta contra a exloraçao você entendeu que os animais foram arrebatados de suas vidas para tornar-se mercadoria, torturados como somente o ser humano sabe. Porque a exploraçao envolve diversas camadas da sociedade, como aos animais e a terra, mas você abraço o veganismo como uma forma a mais de ataque.
Nao esqueceste dxs companheirxs presxs, nao xs esqueceste na propaganda que você fazía, nao xs esqueceste nos foruns anticarcere e de informaçao sobre a situaçao delxs em que você participava. Nao xs esqueceste nos meetings e manifestaçoes d que você participou, nao esqueceste quando escreveste. Porque para você nao importava que fossem patriotas, marxista, leninista, do Lautaro ou do Frente ou se eram de outro lugar do mundo. Porque a solidariedade ultrapassa todas essas barreiras, e porque era necessário.


Nunca vamos esquecer teu carisma e essa forma que você tinha de se relacionar com xs outrxs. Nao perdias oportunidade de propagar o ideal anarquista onde fosse e com quem quer que fosse, se inclusive um dos policiais que te prendeu você conseguiu fazer com que questionasse sua vida. Tambem nao vao te esquecer esses malditos milicos que te recrutaram para o serviço militar, quando você chegou e se apresentou com seu moicano em pé, tua roupa punk e você disse que o primeiro que ia fazer quando chegasse a regimento era matar ao superior encarregado, além de inventar o consumo e quanta droga você conheceu: "Disse que consumia todas as drogas que tinha ouvido citar, além de me reivindicar como dadaista, nihilista e com tendências suicidas”…e incrívelmente você conseguiu se livrar da escola de assassinos uniformados.

Essa capacidade oratória que você tinha fazía com que todxs te prestassem atençao. Era muito divertido e interessante te ouvir falar, você conseguía atingir as pessoas, era como estar lendo um bom livro. Nao vou esquecer de tuas aventuras, que eram tua história de luta.


Embora a gente nao estivesse de acordo com as tuas últimas colocaçoes, a respeito da "nada criadora", tua postura individualista. Você acreditava firmemente na çao, você sentia a necessidade de fazer coisas, de atacar esta megamáquina. Se fosse preciso infomar a situaçao dxs presxs e se coordenar com outros grupos e pessoas, você nao entrava em contradiçao com a tua postura individualista. Você superava as contradiçoes ideológicas e passavas a agir.

Acima de tudo você esteve sempre convencido do que fazia, e isso notava-se em tua convicçao, armado com a mais filosa conseqüência você partiu aquela noite, da mesma forma que tantas outras jornadas de ataques diversos e múltiplos. Nós nao queremos nem podemos te esquecer.
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A pesada ausência, estoura todos os dias

Companheirxs em luta já perdemos lamentávelmente muitxs, mas é muito difícil quando se perde um irmao, e pior ainda quanto a dificuldade de entender como ocorreu, já que Mauri falece num ato ilegal, morre passando a ofensiva e morre numa circunstância tao nebulosa que nao existe certeza sobre como ocorreu, isto o torna um acontecimento mais horrível que a morte em si, já que ao saber que um compa que tanto dava e contribuía já nao está apesar de que ele mesmo queria ficar, causa uma dor enorme.

E esta dor aumenta aina mais quando a guerra nao te da nem um segundo para pensar e assumir o que ocorre, que importante se torna a reflexao e tentar raciocinar nestes momentos, nossos inimigos nao desejam que a gente possa sentar para nos dar um descanso mental para clarear nossa mente, o que o poder deseja é nos manter sempre em eterna confusao e poder reger nossa vida num ritmo quase esquizofrênico, buscam negarnos a possibilidade de recuperar nossa vida, buscam nos levar ao limite de nossas capacidades para que abandonemos uma luta que decidimos levar, e isto é aínda mais evidente quando vc fica sabendo da identidade de quem falece através de teu inimigo.

É a mídia e toda uma sociedade que somente consome informaçao, reproduzindo talvez involuntariamente relaçoes de autoridade, festejando com a imagem e a vida de alguém que nao conhecem e a quem somente querem difamar.
Ficar sabendo que um companheiro morreu é muito duro, mais ainda quando é produto de uma falha na utilizaçao da propria arma de ataque, mas ficar sabendo de que a pessoa que você já nao vai poder ver é teu irmao é algo inexplicável, e até o dia de hoje é muito duro escrever, fazer uma propaganda ou pixar na rua o nome daquele que você apenas deseja abraçar para voltar a compartilhar experiências e emoçoes. A dor é enorme, a pena te invade e ainda assim a gente sabe que deve ficar em pé, nao importa como nem com que ânimo, você apenas tem que se levantar e continuar teu compromisso de luta, já que claudicar sería a pior traiçao a um irmao que já nao avança como um tigre espreitando por si só, mas devemos manter a memória coletiva, nao como um mártir, mas como um companheiro a mais.

Porque isto é, um companheiro a mais que assumiu e enfrentou as conseqüências de uma guerra que nem sempre é grata, a gente sabe disso, da mesma forma que muitxs outrxs companheirxs que sofreram em seus corpos e suas mentes o duro golpe repressivo do poder, o qual espera impaciente uma ocasiao para atingir com todo rigor aos que buscando a liberdade a poem em prática e reproduzem.

É assim como tece sua trama para espancar a varixs compas que até o dia de hoje nao apagamos de nossas mentes o maltrato e o abuso que nos inringiram, mas nao vamos desistir e embora cada dia custe mais encontrar motivos para continuar, seguiremos aqui, já que nossa experiência é uma das mais múltiplas experiências que assimilamos na luta contra o poder, por isso é que desejamos colocar esse posicionamento pois a responabilidade de deixar a memória ativa é nossa.
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A memória como uma arma...

A lembrança, o gesto, o ato de invocar imagens, sucessos, pessoas de tempos passados nunca terá sentido para nós somente como fim de acumular dados ou mostrar erudiçao.
A construçao coletiva da memória insurreta tem como fim compreender a continuidade histórica da luta, das idéias, dos sucessos, das vitórias, das derrotas, os acertos e erros.

Mas nao tem que se limitar somente a este aspecto, mas também resulta importante conhecer as diversas estratégias e ferramentas que adota o inimigo. Nossa luta nao é feita sozinhxs contra o mundo desde o dia que nascemos, mas que trascende na eterna luta contra qualquer vestígio de autoridade.


O poder por sua vez tem implantado uma maquinaria do esquecimento, cada vez mais aperfeiçoada e macabra para manter as atuais condiçoes a seu favor, a amnesia somente gera uma aceitaçao da realidade imposta enquanto se observam lutas ou companheirxs passados como fotografias, longe de qualquer conexao com a realidade conseguem por sua vez mostrar inviável qualquer tentativa de desobedecer aos mestres.


É preocupante quando os revolucionários fazem eco ao esquecimento vivendo num "eterno presente" limitando grosseiramente a luta atual sem ter em conta este rico arsenal de úteis formas, ferramentas, visoes, formas experiências que fazem parte da memória insurreta. Assim também esquecer as lutas passadas é esquecer àqueles que entregaram suas vidas e suas energías para mudar esta realidade.

Ultrapassar a barreira do tempo, relembrando e assumindo os diversos contextos e o irrepetível de oncidçoes idílica e exatamente iguais, é uma contribuiçao real e direta à guerra social. Agravar, expandir e evidenciar o conflito contra os poderosos é tao necessário e possível agora, como no passado, nossa história de combate é a rebeliao por parte de diversos exploradxs que decidiram se opôr ativamente à ordem estabelecida, rompendo de diversas formas às regras de sua época.


A memória, o passado é nosso presente, seus pensamentos têm sido os nossos, seus desejos de atacar saoos mesmos que os nossos hoje em dia. Falamos da história de revolta de faz séculos, anos ou um par de dolorosos meses. Hoje estamos aqui relembrando o mauri, irmao de tantos combates, mas esta lembrança nao é individual, mas é a continuaçao da urgente necessidade de se opôr ao domínio.


Nosso presente, logo será o passado de futuras jornadas de luta, é assim como o exercício consiste em transferir o passado aos próximos combates, às próximas circunstâncias repressivas. relembrar a luta no presente é vislumbrar o caminho pelo qual tem andado nossos passos e ajuda para saber onde continuarao os próximos, isso é usar a memória insurreta para nos posicionar estratégicamente e táticamente o combate contra a realidade de opressao.


Está em nossas maos o regato dxs companheirxs e combates passados ou presentes, em nós está o nomee a vida em combate de irmaos como o mauri, a claudia ou o jonny nao sejam esquecidos nem englidos pela fera para que logo sejam vomitados por algum intelectual com fetiche de revolta.

Rememorar que nao sao idéias abstratas que estao em xeque, mas que a guerra social é feita por companheirxs de carne e osso com açoes, gestos e decisoes m momentos de suas vidas, é que realmente potencializa e faz reproduzível o combate que elxs levaram para realmente afiar nosso presente de ofensiva.


A memória é uma arma, mas é necessário saber carregá-la, apontar e disparar ao poder, do contrário somente é um ato steril que cai na armadilha da historiografia ou somente na emotividade.

A memória insurreta é uma arma!

Querido Punk mauri: nossa melhor lembrança é continuar enfrentando a ordem daqueles que se consieram donos da vida.

Centro Social Okupado e Biblioteca Sacco e Vanzetti.
$antiago.$hile. 22 de Maio 2010