quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Querido Mauri


Quinta-feira 13 de Maio de 2010

A memória e o combate: reproduzível e contagioso. A um ano da partida de nosso querido compa maurício morales



Dentro de poucos dias vamos cumprir um ano desde aquela fria madrugada em que o coraçao de companheiro Mauro deixou de latir. O sangue que nele se congelou, a muitxs nos ferve neste minuto.

É difícil olhar e analisar com "distância" tudo que tem ocorrido desde esse momento. Talvez pelo proprio turbilhao da guerra social, que em seu pulso particular tem a muitxs companheirxs sendo rifadxs pelas garras dx inimigo, día após dia, batalha após batalha. Talvez também porque a "distância" implica uma calma e uma paz que muito poucas vezes pode vir junto a morte de um amigo, de um irmao, de um companheiro.

Nao, nossa lembrança, nossa análise do cenário atual nao tem paz e ainda que evoque a calma, muitas vezes esta nao vem. Porque a ausência é grande e a ferida muito profunda. Todxs aquelxs que já perderam umx companheirx no fervilhar da batalha comprenderao o que falamos, por desgraça nao estamos colocando nada novo.

Os anos de luta sao também os anos de tragédias, porezas, batalhas, derrotas e vitórias. Como superar as feridas que isso deixa continua sendo uma incertidao gigante e nós continuamos na busca dessa resposta.

Os coraçoes que continuam sangrando sao o reflexo material daquilo tantas vezes colocado: a luta contra o poder nao é abstrata, é feita por companheirxs de carne e osso (lamentávelmente pela fragilidade da vida e felizmente pelas particularidades daqueles que a vivem e acrescentam)
.
As idéias, as posiçoes de luta e ofensiva nao morrem (esse é o empenho) mas xs que a empunham sim e essa tragédia (para aqueles que a sentem) nao pode ser analisada pela abstraçao da estatística.

A nossa memória sangra pela perda do companheiro e palpita em nós urgentemente a necessidade de defender sua lembrança, e extender uma mao solidaria axs que foram proximxs a ele e axs que compreendem e dimensionam a destruiçao a partir de sua morte. Destruiçao de tranquilidades, de projetos, de afetos, de relaçoes. Quando um companheiro morre lutando numa açao ilegal, o cenário de combate muda inevitavelmente para xs que sobrevivem.

O cenário muda nao porque mude o inimigo, que com mil rostos diferentes continua sendo o mesmo: o poder, a exploraçao, a dominaçao e o princípio da autoridade. As situaçoes se modificam porque o entorno se transforma, a presença policial/civil é permanente e tosca (sem mencionar seus torpes e evidentes movimentos), as câmeras, os focos, seguimentos, controles, vasculhamentos, disparos e uma intimidade que se parece em certos momentos a uma casa de vidro.

Esse foi/é nosso cotidiano, mas nenhuma falta de conforto se equipara ao fato de saber que nosso irmao nao avança a passo firme nesta vida, por isso buscamos respostas e histórias que nos recomponham e nutram o sorriso.

E nessa busca fica claro o fato de que Mauri é muito mais do que a açao em que perdeu a vida, disso nao temos nenhuma dúvida. Nao se reduz a esses minutos seus passos pelo mundo , mas também nao podemos ignorar nem nos abstraír sobre a forma como olhou de cara para a morte.

Mauri é muito mais que a açao, mas innegávelmente demonstra como isso estava fundido em sua vida. Se nao compreendemos o equilibrio que deve ser mantido, que a açao nao opaque a vida do companheiro nem que este por sua vez anule o agir, nao se compreenderao jamais as razoes que levam a alguém a arriscar sua vida e sua existencia na luta por suas convicçoes. Apelar ao equilíbrio neste assunto é o único que dará projeçao ao combate.

A quase um ano de ter visto seua foto nos jornais, a um ano de guardar o choro nos bolsos para enfrentar com dignidade o furacao policial que vinha pra cima da gente, nao podemos mais do que nos emocionar. Fechar os olhos e voltar a sentir os gritos dxs companheirxs enviando apoio, o cheiro das fogueiras e as sirenes policiais tocando até o infinito. Endurecimos o peito para enfrentar esse tempo nefasto.

A caça se desencadeou em vingança, nós sabíamos disso, nao houve surpresa, mas nunca esperamos que tantxs e diversxs companheirxs viessem solidarizar, entendemos isso como um ato de saudaçao a Mauri, como forma de honrá-lo enquanto a mídia cuspía ofensas e a internet se enchía de asneiras.

As respostas internacionais foram ocorrendo uma após a outra, numa sucessao de variadas açoes que pocuravam transbordar a autoridade e fazer presente a Mauri em todo processo de luta, nao como um icone, mas como um companheiro a mais, que apesar de nao estar mais presente físicamente, a lembrança de todxs o mantêm tao preente como sempre.

Propaganda, açoes diretas, foruns, atividades, publicaçoes, muitas tem saudado sua vida como um todo, muitxs lembraram a forma como encontrou sua morte. Essa resposta internacionalista nos dá força e emociona e por sua vez nos impulsa a reforçar os laços, a fazê-los fortes como garra de leao, porque a luta coletiva contra o poder requer a descentralizaçao do conflito, sua reproduçao e contagio.

Destruir o esquecimento, relembrando vidas, combates e mortos é também nossa propria luta cotidiana. A memória nao é somente importante emocional e anímicamente, mas que é a essência que entrega continuidade histórica ao combate levado pra frente por tantxs rebeldes inconformes ao longo dos séculos de exploraçao. Por isso relembrar se transforma num ato revolucionário somente quando leva intrínseco o desejo de continuar a ofensiva em todas suas formas, assim este exercício de memória vai outorgando informalmente direçao e projeçao à luta que levamos adiante.

Punky Mauri, irmaozinho lindo, continuamos orgulhosos em aberta rebeldia, contentes de ter cruzado nossos caminhos, sentindo saudades de você e acreditando ver o teu rosto entre as pessoas. Enchemos tua lembrança de honra guerreira contra toda autoridade.

Nosso caminho continua com fogo incandescente, com essas chamas que você gostava que chegassem ao infinito.

Estamos com muita saudade de você.

Pela expansao da revolta, pela memória e a açao.

Compa Mauri Presente.

Centro Social Okupado e Biblioteca Sacco e Vanzetti.

$antiago $hile. Maio 2010.